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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Quando a disputa do patrão dita o ritmo da informação

Uma verdadeira guerra desencadeada entre dois dos principais conglomerados de mídia do Brasil, o Grupo Abril e a Central Record de Comunicação, vem jogando luz sobre um aspecto acerca do “mercado da informação” nem sempre distinguido com clareza pelo respeitável público, sobretudo porque costuma ser muito bem maquiado pelos mitos da objetividade jornalística e da imparcialidade da imprensa: o de que os grandes grupos de comunicação são grandes corporações como outras quaisquer, com interesses particulares a serem defendidos e espaços a serem conquistados.
Tudo começou com várias reportagens recentes da revista Veja, da Abril, com denúncias de lavagem de dinheiro, estelionato, evasão de divisas e falsidade ideológica envolvendo o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Rede Record.
Na verdade, tudo começou antes, com a ascensão (inclusive internacional) da Record, ou da “mídia evangélica”, como alguns preferem dizer, incomodando os grupos de mídia em geral, abocanhando fatias cada vez maiores do mercado publicitário e mantendo relação cada vez mais próxima com o PT, partido a cujo governo a Abril não é exatamente simpática.
Noticiário toma-lá-dá-cá
Os desdobramentos da pendenga entre Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril, e o bispo Edir Macedo vêm fazendo com que uma e outra extrapolem o que se conhece por disputas entre empresas que controlam veículos de imprensa, fazendo-as parecer fabricantes de calçados ou mercadorias que tais, cada qual desqualificando o peixe do outro para vender o seu próprio.
Assim, em vez de investimento em reportagens investigativas, em vez da busca pelo furo jornalístico e pelo rigor da informação precisa, como é de se esperar entre grupos de comunicação acotovelando-se por espaço e credibilidade, prevalece o toma-lá-dá-cá, verdadeira guerra de propaganda travestida de noticiário, nos moldes da publicidade agressiva para combater diretamente o produto — ou o conceito, a visão de mundo — adversário.
Informação: efeito colateral da briga
Além das notícias e dos desmentidos da Veja e da Record sobre as supostas dificuldades financeiras de um e de outro, nesta luta de desqualificação mútua vale até incensar a religião rival do rival ou enumerar as contraindicações de um medicamento apresentado pelo outro lado como, sem trocadilho, “um milagre”.
Recentemente, a Veja usou o trampolim do filme “Nosso Lar”, baseado na obra de Chico Xavier, e da luta do ator Reinaldo Gianecchini contra o câncer para falar bem do espiritismo, para desespero do bispo evangélico-midiático, em pautas que se enquadram menos no tema “religiões” e mais nas escaramuças entre a Abril e a Record.
A Record, por seu turno, foi buscar em um tema caro às revistas generalistas, a saúde, a matéria-prima para o contra-ataque às denúncias contra o bispo Macedo. Recentemente a emissora e o portal do grupo Record, o R7, deram ampla repercussão ao fato de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desaconselhou o uso do medicamento para diabetes Victoza como emagrecedor, o que a Veja disse na capa de uma das suas recentes edições que poderia ser feito “sem grandes efeitos colaterais”.
Alguns dirão que assim caminha a humanidade: se a concorrência entre a indústria manufatureira melhora a qualidade dos produtos, a disputa entre grupos de mídia poderia, digamos, massificar informações importantes sobre a saúde pública