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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Novelas de TV: a fina estampa da vida da gente. Será?

É das imagens mais marcantes da TV aquela que mostra o personagem Marco Aurélio, interpretado por Reginaldo Faria, fugindo do país num jatinho carregado de dinheiro e fazendo gestos – como a velha “banana” – para a terra que acabara de trair e abandonar para sempre. O vice-presidente do Grupo Almeida Roitman, da novela “Vale Tudo”, se transformou num clichê – muito adotado na teledramaturgia brasileira de que todo empresário é safado e ladrão.
Originárias do rádio, onde faziam grande sucesso, as novelas de TV – principalmente as da TV Globo – já integram a cultura brasileira há mais de cinquenta anos, lançam músicas, produtos e serviços, ditam modas, novos costumes e comportamentos. A autora Janete Clair definia novela como um novelo que vai se desenrolando aos poucos. O folhetim eletrônico é capaz de atrair milhões de pessoas. Mas estas obras cometem algumas generalizações perigosas e nem sempre tão inocentes quanto possam parecer.
Tão certo quanto em todas as tramas alguém sofre um acidente de automóvel – talvez o maior dos clichês –, os autores buscam rotular determinadas atividades profissionais ou opções de comportamento. Jornalistas, por exemplo, têm um ar ligeiramente fofoqueiro e, não raro, um tanto idiotizado frente à realidade. Empresários e executivos são arrogantes, oportunistas, devassos e sem escrúpulos. Já os homossexuais – cada vez mais presentes nas tramas – são pessoas do núcleo bom da novela, preocupadas com a ética e o respeito ao próximo.
Como em toda novela acontece, pelo menos, um acidente de carro e um crime de morte, é inevitável o surgimento de artistas de menor brilho para o papel de delegado que leva bronca de ricaça – como se isso fosse possível – e de figurantes para fazer jornalistas que, no clichê televisivo, são apatetados, não param de tirar fotos e de fazer perguntas idiotas como “você não tem vergonha por ter cometido esse crime?” em plena ação factual. Autores de novela parecem nunca ter entrado numa delegacia e jamais ter participado de uma entrevista coletiva – cuja configuração é bem diferente da apresentada nos folhetins. A Central de Produções deveria consultar a Central de Jornalismo.
Exceção feita a Luis Salem – que acumula personagens GLBT, denotando certa intolerância com papéis mais viris – as interpretações de gays nas novelas acabam nas mãos de atores heterossexuais. Os personagens dos talentosos André Gonçalves, o “Áureo” em “Morde a Assopra”, e Marcelo Serrado, o “Crô” em “Fina Estampa”, são divertidos e não fazem mal a uma mosca. São do núcleo bom da novela, gente guerreira, corajosa e trabalhadora – como se estivesse assim compensando o fato de serem homossexuais. Em “Insensato Coração”, a comunidade gay se estendeu a seis personagens. Ali, somente “Aracy”, presidiária interpretada por Cristiana Oliveira – era mesmo o outro lado da moeda: esta sim, cruel e assassina que acaba “justiçada” por um personagem de nome muito adequado: Norma, vivido por Glória Pires.
Empresário é do mal, empreendedor é do bem
O programa de TV alternativo “Direto da Redação” é a bandeira do comportamento gay no Youtube. Os divertidos apresentadores Diana C., Lufe Steffen e Marcelo Hailer comentam as principais pautas de seu reduto – como a vida dos artistas, novelas e atualidades. Eles lembram que foi na trama de Tititi que quase aconteceu o primeiro beijo gay da TV: “mas não rolou e o casal teve final feliz nas areias de Saquarema”, revelam. No “Direto da Redação” estão sempre em pauta o diretor Jorge Fernando, o cantor Rick Martin e o autor de novelas Aguinaldo Silva – homossexual histórico desde os tempos do jornal Lampião. Sobre ele, as alfinetadas que faz à comunidade gay por se fazer de coitadinha: “Não se sabe se o pior é a homofobia ou o vitimismo gay”, reclama.
Em “A Vida da Gente”, Paulo Betti reforça a imagem do executivo “Jonas”, do ramo do Direito – preocupado em fazer fortuna e bons negócios – que negligencia a família para atingir seus objetivos. Executivos e empresários devem ser o grande mal deste país. Já os microempresários e empreendedores são muito fofos. Na mesma trama, o Buffet de Marjorie Estiano vai de vento em popa. Em “Insensato Coração”, o personagem de Louise Cardoso deslanchou com um quiosque focado no público gay na orla da praia. Em “Aquele beijo”, a família portuguesa do personagem interpretado pelo ator da terrinha Ricardo Pereira tem um simples e simpático restaurante de comidas típicas. Todos os empreendedores são ótimas pessoas. E os negócios vão muito bem, obrigado.
Já entre os executivos, o incorrigível Herson Capri, o Horácio Cortez de “Insensato Coração”, manteve a postura mau caráter em “Aquele Beijo”. “Santo Deus, esse homem não aprende!”, deve dizer alguém para o aparelho de televisão. Casado com o personagem de Marília Pera, Alberto Lemos de Sá trilhou pelos caminhos do mal. Mas o amor verdadeiro o salvou – graças a Deus – ele está ficando bonzinho a cada capítulo. E todos os bons serão felizes para sempre…