Fazer um registro de união estável ou casar de papel passado, como se diria antigamente? A dúvida passa pela cabeça de muitos casais na hora de oficializar o relacionamento. Sob o aspecto jurídico, as diferenças são poucas. A escolha, atualmente, se dá mais no âmbito do grau de formalidade. Para o procurador e professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Uerj Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, o caráter menos conservador da união estável está presente até nos detalhes da legislação sobre os deveres de convivência de cada um desses modelos de constituição familiar:
“O casamento tem uma lista definida de deveres de convivência, como vida em comum, mútua assistência, respeito e consideração mútuos e fidelidade. Na união estável, se usa o termo lealdade, que é mais moderno e abrangente. Se as partes têm um relacionamento aberto, que envolva outros parceiros eventuais, estão sendo leais desde que haja uma combinação prévia. Fidelidade pressupõe exclusividade”.
No registro de união estável, os companheiros podem colocar as cláusulas que quiserem com relação à partilha de bens. Se não houver nada especificado, vale a comunhão parcial de bens. Já para se casar é preciso escolher o regime de bens. Quanto à herança, Carlos Edison explica que o cônjuge recebe, mas que o Supremo ainda vai decidir, no caso da união estável, se o companheiro é ou não herdeiro necessário. As duas opções de formação de família prevêem, no entanto, pensão alimentícia em caso de separação.
Na união estável, um membro também pode adotar o sobrenome do outro, mas, além de concordância, é preciso ter filhos ou no mínimo cinco anos de convivência. No casamento, não são feitas essas exigências.
Segundo Carlos Edison, não é necessário o registro para se configurar a união estável, embora ele facilite questões burocráticas como incluir o companheiro no plano de saúde ou fazer um financiamento conjunto. Se não houver o documento, em caso de litígio na separação, fica complicado se confirmar a estabilidade com menos de dois anos de convivência.
Carlos Edison ressalta que o casamento é um ato ultra-solene, o mais formal do Direito Civil. A burocracia e o processo de habilitação são necessários para fazer com que o casal tenha um tempo de reflexão e amadureça a decisão. “A pessoa que decide se casar é inspirada por tradição familiar e quer o respaldo do Estado, que é mais presente. A união estável nasce da espontaneidade de uma relação de fato”, ressalta ele.
Foi em busca de um documento para uma relação que já existia que a advogada Flávia Monteiro resolveu procurar um cartório. Embora já estivesse grávida do segundo filho, ela e seu companheiro não queriam o “peso” do casamento e decidiram fazer o registro de união estável por conta do plano de saúde:
“Nunca fiz questão de casar na Igreja. As pessoas cobram, mas, para mim, casar era viver o dia a dia. Não queríamos assumir algo tão sério, estávamos vendo se ia dar certo. E está dando: já estamos juntos há dez anos”, afirma ela, contando ainda que se dirigiu ao cartório como se fosse assinar qualquer contrato: “Não levamos ninguém da família, e eu nem me lembro da roupa que estava. Foi tudo muito natural”.
O que ainda não é considerado natural e enfrenta resistência de parte da sociedade é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para o pastor Marcos Gladstone, fundador da Igreja Cristã Contemporânea – que em cinco anos de existência já fez mais de 50 casamentos homoafetivos – a realização da cerimônia é a realização de um sonho:
“A expectativa vai muito além da de um casamento heterossexual, já que representa para os noivos um marco de uma conquista até pouco tempo improvável de ser vivida. Muito mais do que uma forma de ser aceito pelos outros, a celebração é uma forma de se sentir realizado como ser humano”.
Para Gladstone, além do lado religioso, é importante que o casamento homossexual seja reconhecido juridicamente: “Eu e meu companheiro estamos adotando dois filhos que terão os nossos sobrenomes e o nome dos dois pais no registro de nascimento, mas nosso estado civil continua sendo solteiro”.
Embora o primeiro casamento gay já tenha sido reconhecido por um juiz no Brasil, a decisão não é consenso entre os magistrados. A Constituição diz explicitamente que reconhece a entidade familiar entre homem e mulher. Mas Carlos Edison acredita que “é uma questão de tempo para que haja uma mudança na lei no sentido de reconhecimento da pluralidade”.